Sou um dos que votou Cavaco para Presidente da República, mas agora estou muito inclinado a não cair nesse erro.
«O dia em que Cavaco errou»
Ao promulgar o diploma que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Presidente da República desferiu, estou em crer, um rude golpe na confiança de uma parte significativa do eleitorado que, em Janeiro de 2006, o elegeu supremo magistrado da Nação.
Cavaco Silva é, sabemo-lo bem, um conservador nos costumes. Fez questão de o reafirmar na comunicação ao País da passada segunda-feira, Dia Mundial da Luta contra a Homofobia. Aliás, a palavra promulgação surgiu apenas na última frase de um discurso amargo, contrariado e, por isso mesmo, incompreensivelmente contraditório com a decisão por si tomada.
Invocar a crise como pretexto para não vetar politicamente um diploma que contraria todas as suas convicções (inclusive religiosas) não é mais do que um acto de falta de coragem política e calculismo eleitoral. Na verdade, a oito meses das próximas eleições presidenciais, Cavaco tentou a quadratura do círculo: não perder votos na sua base social de apoio e ganhar capacidade de penetração à esquerda, não abrindo brechas que pudessem vir a ser ocupadas por Manuel Alegre. Caso se recandidate, o tiro pode, no entanto, vir a sair-lhe pela culatra. A avaliar pelas reacções que se seguiram às suas palavras, não só não conquistou qualquer apoio à esquerda como fez disparar a desilusão entre os seus apoiantes. O Presidente alienou, assim, as suas convicções para não ser obrigado a promulgar a lei em segundas núpcias.
Cavaco Silva foi, aliás, incoerente com aquela que tem sido a sua práxis presidencial. Foi por convicção que vetou a lei do divórcio. E, novamente por convicção, vetou as alterações ao Estatuto dos Açores. E nem o facto de, à época, haver um Governo maioritário que, nestas matérias, contou com o apoio de outras forças políticas impediu o Presidente de chumbar estes diplomas. Desta vez, lamentou não ter "havido vontade política de alcançar um consenso partidário alargado sobre uma matéria de tão grande melindre". Na verdade, e por mais que discordemos (e para que fique claro sou dos que preferiam a solução defendida por António Arnaut para que, no Código Civil, se equiparasse ao casamento, com os mesmos direitos e deveres, o contrato celebrado por um casal homossexual), houve quatro partidos - PS, BE, PCP e Os Verdes - que tinham nos seus programas eleitorais a defesa do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Isto para não falar das sete abstenções na bancada do PSD. Dizer que este não é um amplo consenso é faltar à verdade.
O que Cavaco devia ter feito, em nome das suas convicções, era vetar o diploma. Foi também para isso que foi eleito. Mas faltou- -lhe a coragem. E escondeu-se atrás do biombo da crise para justificar a sua atitude.
No seu discurso deixou clara a opinião de que esta matéria não é uma prioridade face à gravíssima conjuntura que vivemos. Estamos de acordo, senhor Presidente da República. Sucede porém que, não sendo prioritário, não se compreende a razão por que conferiu a este assunto honras de comunicação ao País.
Nuno Saraiva - DN-Lisboa»
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