domingo, 31 de janeiro de 2010

Agências de rating e mercado castigam dívida portuguesa

Indicadores mostram desconfiança dos investidores e falta de argumentos do Governo.
O mercado da dívida diz que Portugal é um país de risco. O Estado vai pagar mais quando emitir nova dívida e o Governo ataca as agências de rating. As empresas serão também penalizadas no seu financiamento, podendo transferir o custo para os clientes finais.

O Orçamento de Estado para 2010 foi apresentado quase na madrugada da última quarta-feira e brindou os portugueses com uma surpresa: défice de 9,3% em 2009, prevendo o Governo descê-lo para 8,3% este ano, e uma dívida pública de 85,4% em 2010, mais 8,8 pontos percentuais do que no ano passado. As agências de rating desconfiaram, sobretudo da possibilidade de descer o défice aos 3% até 2013, e o ministro das Finanças não hesitou em atacar aquelas instituições, acusando-as de serem guiadas por interesses comerciais e de terem sido as grandes responsáveis pela crise financeira de 2008.


Na linha das afirmações proferidas pelo presidente do BPI na sexta-feira, dois professores de Finanças, contactados pelo JN, discordam em absoluto do ataque do titular das Finanças à credibilidade das agências. Em causa está um trio norte-americano "todo-poderoso" constituído pela Fitch, Moody's e Standard & Poor's, instituições nascidas nos primórdios do século XX.
"Se fossemos acabar com todas as instituições que tiveram responsabilidade na crise financeira de 2008, então teríamos de fechar também os bancos centrais", afirma Pedro Santa-Clara, professor de Finanças da Universidade Nova de Lisboa.


"Os mercados estão a seguir atentamente o evoluir da dívida portuguesa e não precisam das agências de rating para ajustar os preços [ver spread da dívida no infográfico]. Nestes últimos dias, o spread da república passou de 100 pontos base para mais de 150, sem que tenha havido alguma mudança na nota de rating das agências", acrescenta Pedro Santa-Clara.


Nuno Fernandes, professor de Finanças na escola de negócios suíça IMD, concorda, considerando que o melhor indicador são os mercados, porque as agências não mandam nos investidores. "Os ratings são revistos de meses a meses, mas o mercado funciona todos os dias e na última semana os spreads têm subido a pique".


Pedro Santa-Clara lembra que em dois meses o custo para nova dívida aumentou em mais de 1%. "Vamos imaginar que 25% da dívida emitida no passado tem de ser renovada, mais os 8,3% do PIB [que é o défice previsto e que vai ser financiado por emissão de dívida]. Portanto, sobre 1/3 da dívida pública, vamos ter de pagar mais 1% [ontem spread chegou a 1,2%]. A Grécia viu o spread da dívida agravar-se em 2,7% em dois meses", acrescentando que a Portugal pode acontecer exactamente o mesmo em pouco tempo.


Os portugueses sentirão na pele os efeitos. O aumento de impostos pode chegar a partir de 2011 e as empresas que se financiam com emissão de dívida vão pagar mais caro (juros) aos investidores. "Há uma correlação de 90% entre o que uma empresa paga pelo financiamento e o spread da dívida do país", asseguro Nuno Fernandes. "Esse custo vai transferir-se para as famílias, nomeadamente no caso dos bancos [aumento do spread nos créditos, por exemplo]", sublinha.



Imagem: Google

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