quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Polémica sobre a Autoria do Projecto do Casino da Madeira

No Sábado passado tomei conhecimento duma notícia no mínimo estranha e de mau gosto, se temos em conta que põe em causa a autoria dumas das mais belas obras de arquitectura do Óscar Niemeyer fora do Brasil, o Casino da Madeira.

Fica aqui a notícia do DN-Madeira, que tem por base um artigo do Expresso.


"...A polémica está lançada: numa entrevista concedida no Rio de Janeiro ao semanário 'Expresso' e publicada na edição de 22 de Dezembro no suplemento 'Espaços e Casas' daquele jornal, o arquitecto brasileiro Oscar Niemeyer negou a autoria do projecto do hotel Casino Park e do Casino da Madeira, no Funchal, e deu a entender nunca ter sido chamado para fazer projectos em Portugal.

A entrevista motivou uma reacção de indignação de Carlos Oliveira Santos, professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa e autor do livro 'O Nosso Niemeyer' (Ed. Teorema), obra da qual foi lançada recentemente uma edição especial comemorativa do centenário do nascimento do arquitecto, apoiada pelo Grupo Pestana. "Indignadíssimo", conforme nos fez sentir de viva voz, Carlos Oliveira Santos enviou para o 'Expresso' uma resposta, a mesma a que hoje fazemos referência. Nela, denuncia "a crassa ignorância da entrevistadora", Fernanda Pedro, que, em seu entender, "induz respostas daquela conhecida personalidade [Niemeyer] que não correspondem à verdade e que lesam a história da arquitectura em Portugal e o valor do nosso património arquitectónico".

Na qualidade de "investigador e professor que se dedicou, desde meados dos anos 80, a uma intensa pesquisa das matérias em causa", e reafirmando o seu "profundo e sentido respeito por Oscar Niemeyer", com quem conviveu pessoalmente diversas vezes, Oliveira Santos aponta: "Numa das perguntas, a entrevistadora interroga: 'Por que razão não fez nunca nenhum trabalho em Portugal?' Ao que Niemeyer responde: 'Eu não procuro trabalho, eu atendo os pedidos que me fazem'. De seguida, a entrevistadora questiona: 'Mas nunca recebeu um convite para fazer um projecto em Portugal?' E o arquitecto responde: 'Têm arquitectos tão bons, têm o Siza, não há razão de me chamarem'".

Niemeyer convidado três vezes Oliveira Santos afirma que Oscar Niemeyer foi comprovadamente convidado pelo menos por três vezes para conceber obras para Portugal, e por três vezes as concebeu. "As pessoas que o convidaram aí estão ainda vivas e os documentos dos seus projectos existem e podem ser consultados publicamente. Foi-o em 1965, pela empresária Fernanda Pires da Silva para o projecto do Plano de Urbanização da Pena Furada, no Algarve. Foi-o em 1991, pela Fundação Luso-Brasileira para a sua sede. Ambos os projectos estão devidamente publicados, nomeadamente no livro 'Oscar Niemeyer 2001', catálogo da exposição organizada pelo ISCTE nesse ano, em Lisboa. Nenhum desses projectos foi ainda construído, mas permanecem diligências para a sua concretização em obra.

O terceiro projecto de Niemeyer para Portugal é de 1966 e foi resultado do convite da família Barreto para que o arquitecto concebesse um conjunto de hotel, casino e centro de congressos no Funchal. É sobre este projecto, outra das perguntas da entrevistadora: "O que diz sobre o único projecto seu em Portugal, nomeadamente o Casino do Funchal, na Madeira?" E a resposta publicada de Niemeyer é esta: "Aquele projecto não é meu. Eu fiz o projecto a uma escala pequena e o arquitecto português desenvolveu. E ele mudou algumas coisas. De modo que não considero um projecto meu. A aprovação de algumas coisas, ele mudou. Porque todo o arquitecto pensa de maneira diferente. Ele era um arquitecto muito bom, que se chama Viana de Lima, por isso o projecto da Madeira é muito mais dele do que meu". Carlos Oliveira Santos sustenta que, "tal como aconteceu nas duas outras perguntas, só a total ignorância da referida entrevistadora permite que apareça deste modo a resposta de Niemeyer, numa interpretação falsa da realidade e numa ofensa à memória do arquitecto Viana de Lima e das outras pessoas envolvidas. O convite a Niemeyer para este projecto, realizado em 1966, em pleno salazarismo, representou um acto de coragem e de dimensão que merecem, ainda hoje, todo o respeito e agradecimento. Niemeyer era um comunista exilado em Paris e os Barreto não hesitaram em convidá-lo e em acolher com empenho o seu projecto, cujo manuscrito existe e pode ser claramente consultado (...)", quer no 'hall' do próprio hotel quer no livro de Oliveira Santos. Para a sua concretização, acrescenta, foi o próprio Niemeyer que indicou um amigo, o arquitecto Viana de Lima, "uma grande personalidade da arquitectura portuguesa e pessoa de uma dignidade e de uma seriedade notáveis".

O autor da carta de protesto sublinha que "os honorários do arquitecto brasileiro, a delegação que Niemeyer fez em Viana de Lima, os contactos entre ambos sobre a obra, tanto nos anos iniciais da concretização do projecto como já numa fase muito adiantada da construção, em 1973, estão claramente expressos em documentos escritos e assinados pelo próprio Niemeyer". O que Viana de Lima fez foi "abraçar esforçadamente o projecto do amigo. Tudo fazer para o concretizar. Ele não mudou o projecto inicial, ele concretizou-o (...) O que está no Funchal é um Niemeyer, o da essência do seu projecto inicial (...) É isto que historicamente se pode dizer com toda a segurança e verdade. O que se escreve no 'Expresso', o de que "afinal" o projecto "não é da autoria" de Niemeyer, não passa de uma falsidade e de uma total ignorância". "ofenSa" e "ingratidão"Carlos Oliveira Santos frisa que o projecto da Madeira está incluído em importantes estudos sobre a obra do arquitecto brasileiro (como os de Gilbert Luigi, de Josep Ma. Botey ou de David Underwood), como no próprio livro de Niemeyer, 'Meu Sósia e Eu'. Faz questão de enfatizar que Viana de Lima sempre respeitou Niemeyer e era seu amigo, e garante: "(...) tanto a mim, em conversa gravada que transcrevo no meu livro, como na entrevista concedida, em 2001, a Cláudia Galhós, publicada no site NetParque (...) quando ela interroga Niemeyer expressamente sobre se ele sentiu que Viana de Lima executou o que o arquitecto brasileiro tinha imaginado nos seus desenhos, a resposta é clara: "Ele seguiu a minha orientação inicial, mas fez muito bem. Foi muito bom".

Para Oliveira Santos, renegar a autoria de Niemeyer no projecto do Casino Park Hotel do Funchal não é verdade e "representa uma ofensa e uma enormíssima ingratidão para com as pessoas que convidaram o arquitecto brasileiro e sobretudo para com o falecido arquitecto Viana de Lima (...) Estou certo que Oscar Niemeyer do fundo do seu coração não poderá nunca cometer tamanha injustiça"."


2 comentários:

Tino disse...

Eu ouvi a entrevista num programa sobre imobiliario que dá na sic noticias e o que vem no expresso é uma reprodução exacta do que Oscar Niemeyer disse.

Não é segredo para ninguem que o que Niemeyer fez em relação ao casino da Madeira foi apenas um esquiço e um delinear de uma ideia geral.

Roberto Rodrigues disse...

Caro Tino,

Pode até ter sido só isso que ele fez.

Mas não pode ele negar que idealizou os tais traços gerais do que foi construido e que foi convidado a elaborar o projecto, isso é inegável e a comprova-lo estão as cartas já tornadas públicas entre Niemeyer e o Viana de Lima e entre estes e a familia Barreto.

Julgo que temos de dar algum desconto a idade já avançada do arquitecto centenário!!!...
Deve ter esquecido a sua leve intervenção neste projecto!??...

De qualquer forma para mim, pelo traço e pela forma, continuarei a considerar esta obra um "Niemeyer".

O resto é mera conversa!!!...

Um grande abraço e um Bom 2008 para ti.

RR